Sociedade

[Opinião] Evangélicos e a política: uma aliança confusa

Por: Gustavo Bianch Silva

 

Não é segredo para ninguém que a ligação dos evangélicos com o atual governo está cada vez maior. A participação de “ministros pastores” e o envolvimento da chamada bancada evangélica com o poder executivo nos direciona a pensar: qual deve ser a verdadeira relação entre os evangélicos e o poder?

Antes de tudo, é certo que o cristão pode – e deve – se envolver com a política. No sentido grego da palavra, política vem de politikos, que se refere àquele que se relaciona com a polis, ou com a cidade.

Neste aspecto, envolver-se politicamente tem um significado mais profundo, com a preocupação do cristão com o bem comum.

Mesmo que não “sejamos deste mundo”, no aspecto que o reino de Deus envolve uma dimensão espiritual, a realidade é que do Reino também se relaciona com o cotidiano.

Em outras palavras, a prática cristã não está desvinculada da realidade e da prática social, pelo contrário. Como vivemos o evangelho, somos convocados a buscar “o reino de Deus e sua justiça”.

Desta forma, a política torna-se um meio que o cristão deve utilizar para proclamar que em Jesus, todas as coisas foram reconciliadas (Colossenses 1:20). Se cremos que Cristo salvou o homem do pecado, acreditamos também que a redenção atinge todas as faces da humanidade, o que inclui a política.

Portanto, o envolvimento dos evangélicos com a política é legítimo. Porém, precisamos fazer algumas ressalvas.

Como igreja, nossa pauta política não é especial, é ampla

Quando afirmamos que o evangélico – ou o cristão – deve envolver-se com a política, a esfera de ação deve ser a defesa do bem comum. O que temos visto é o uso da política para a preservação do “rótulo evangélico”.

Usar da política para defender as igrejas é um aspecto muito menor daquilo que podemos fazer na esfera pública.

Atualmente, os evangélicos no Brasil têm participado da arena política para defesa de pautas morais que, sim, são importantes. Mas não podem ser o epicentro da ação política.

Quando usamos da política apenas hastear a bandeira dos “bons costumes”, perdemos a oportunidade de lutar pela causa daqueles que sofrem. Assim, damos mais espaço à ideologia e derrubamos um dos elementos mais importantes da democracia: a participação ativa.

Acima de tudo, o evangélico que pratica a cidadania precisa se preocupar com:
  • ações para redução da miséria;
  • a necessidade de geração de emprego;
  • políticas públicas para a educação;
  • o combate ao preconceito e etc.

É óbvio que esta lista acima pode ser acrescida com muitos outros elementos. Mas quando nossa luta se resume às questões morais, deixamos de lado aquilo que é mais importante em relação ao bem-estar da sociedade, que é o combate à injustiça.

A pauta moral é importante, mas não é a bandeira da igreja

No geral, os evangélicos têm muito apreço pela família e pelos valores tradicionais. Há uma crença que existe um movimento orquestrado anti-igreja que tem como primeiro objetivo destruir os valores morais para, depois, acabar com o próprio cristianismo em si.

Não vou discutir se isto realmente é real ou é apenas suposição. Mas vamos partir do pressuposto que de fato exista um movimento articulado para enfraquecer a igreja. Qual é a melhor forma de combatê-lo?

Penso que encarnar um único discurso e fechar com uma ideologia política seja o caminho mais difícil para combater tal mal.

Simplesmente porque é justamente esse ponto que causa divisão na igreja. Uma comunidade de fiéis pode ser unânime na luta contra o mal, mas nunca terá unidade em torno de partidos ou ideologias políticas.

Desta forma, lutar pelos direitos do povo evangélico apoiando um governante e/ou usando púlpitos para reforçar governos e ideologias políticas, na verdade, fortalece o inimigo.

Obviamente, como isso cria divisão interna, a comunidade não tem qualquer força na condução da pauta política. Ao invés disso, o debate se restringe às lideranças que têm influência dentro do jogo político, algo que o evangélico comum não tem acesso.

O que temos visto é justamente a profissionalização da política entre os evangélicos. Alguns “iluminados” possuem total acesso aos meandros do poder, enquanto as massas apenas fazem barulho contra tal político em detrimento de outro.

E as causas que realmente precisamos lutar estão na mão de outros grupos, que por sua vez têm feito maior diferença do que nós cristãos.

Então, o que fazer?

O desafio da igreja em relação à sociedade é imenso. Defender os valores do reino de Deus em um mundo caído e distante de Deus não é nada fácil.

Por isso, os evangélicos precisam se envolver com as demandas mais urgentes da sociedade como um todo. Sempre, nossa pauta deverá ser o bem-estar da população, principalmente daqueles que sofrem.

Quando pensamos nos valores morais, qual deveria ser o envolvimento da igreja? Eu sei que esta é uma questão muito sensível. E talvez você não concorde com meu pensamento.

No geral, a igreja deveria prezar pela defesa e liberdade do pensamento, mesmo que alguns dos seus valores não sejam praticados por todos.

O grande medo dos evangélicos é serem proibidos de denunciarem determinadas práticas morais como pecaminosas.

Diante disso, é perceptível que usar a política para preservar a moral é praticamente infrutífero. As pessoas já praticam e continuarão praticando o que querem, independente se isso se tornará um direito ou não.

A luta da igreja pode ser em relação à liberdade religiosa. Mas antes, precisa ser na luta contra a desigualdade e injustiça

Sim, a própria constituição garante a liberdade religiosa.

Mas além disso, o combate à pobreza, a defesa do direito das crianças e a luta por uma sociedade mais justa deveria ser nossa prioridade máxima!

Devemos também nos preocupar com a liberdade dos cristãos pronunciarem sobre suas demandas morais, mas sem fazer disso um direito absoluto.

Diante disso, é certo que todo este assunto é complexo demais para ser resumido num pequeno texto. O que temos visto, na verdade, é um envolvimento político com interesse muito maior no poder do que nas demandas da sociedade.

Que Deus nos ajude a ter uma relação mais sincera com a política, com maior interesse no combate às injustiças e menor vocação para o poder.

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Fonte: Conteúdo Cristão

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